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“Ser doula em um País tão cesarista que desrespeita as mulheres constantemente é um desafio enorme”, assim abrimos a entrevista com a doula Julia Beatriz Agnes. Residente em Palhoça, Santa Catarina, ela fala sobre o que é a profissão e os desafios enfrentados. Em junho, ela completará quatro anos auxiliando as mamães na hora mais especial, o nascimento dos bebês.
“Tenho um carinho enorme por Santa Cruz do Sul, a maior parte da minha família é dessa cidade, foi dela que partiu minha ancestralidade. Mas meus pais vieram para Santa Catarina há muitos anos, e eu nasci aqui. Atendo presencialmente a região da grande Florianópolis e de forma on-line todo o Brasil. Já tive a honra de acompanhar várias famílias de Santa Cruz”, explica Julia.
Para esclarecer o que é o trabalho de uma doula, os benefícios para as gestantes, as diferenças entre os tipos de partos e os desafios enfrentados, a profissional falou ao Riovale Jornal e os leitores podem acompanhar este trabalho de suma importância para as futuras mamães!
Riovale Jornal – Como se chama parto normal ou parto humanizado?
Doula Julia: Os dois termos existem, em ambos o bebê nasce por via vaginal, o que diferencia um do outro é a forma como é prestada a assistência. Em um parto normal costumam ser feitas intervenções de rotina, muitas vezes para acelerar o trabalho de parto, as informações nem sempre são claras para a mulher, ela geralmente não é protagonista do parto e quem toma as decisões é a equipe. É a assistência mais comum ainda de se encontrar.
Já no parto humanizado, a mulher é a protagonista da sua história, a assistência é individualizada, são observados aspectos individuais sobre aquela mulher e o bebê. Todas as condutas são baseadas em evidências científicas atuais e sólidas, e a mulher é informada e participa das decisões. Se respeita a fisiologia do corpo e do processo do parto. Ao contrário do que muitos pensam, parto humanizado não é necessariamente um parto dentro d’água ou só domiciliar, pode acontecer no hospital particular ou hospital do SUS, domiciliar ou casa de parto. Todas as mulheres deveriam ter o ao parto humanizado.
Riovale – Qual a diferença entre o parto com doula e o parto cesárea?
Julia: A doula presta e à mulher, ao bebê e à família, independentemente da via de parto. Claro que desejo que a mulher consiga sempre parir, mas nem sempre será possível e isso não muda a importância do meu trabalho. Mesmo em uma cesárea, é possível criar para a mulher e o bebê um ambiente acolhedor, que ela se sinta respeitada, que ela fique com o bebê junto dela, amamente o quão antes possível. Eu costumo dizer que nunca saberemos o desfecho do parto, mas o que importa de fato é o caminho trilhado até ele, queremos que seja com confiança, consciência e amor.
Riovale – E o seu trabalho profissional como funciona?
Julia: A palavra doula deriva do grego e significa “aquela que serve”. Meu trabalho é prestar e físico, emocional e informativo durante a gestação, parto e pós-parto para as gestantes e familiares. Auxiliando a se preparar para a chegada do bebê, buscando uma experiência de parto e nascimento mais humano e consciente. Importante enfatizar que o meu trabalho não substitui a atuação do médico obstetra, enfermeira obstetra, pediatra ou acompanhante escolhido pela mulher, a assistência ao parto é multidisciplinar e cada personagem é importante, tem papéis diferentes.
Resumidamente, a doula é a profissional que durante a gestação vai trazer informações baseadas em evidências científicas para a gestante, vai mostrar as ferramentas e caminhos possíveis para que essa mulher possa tomar suas decisões com empoderamento. A doula é escuta e acolhida para a mulher nesse momento tão transformador. Durante o trabalho de parto e no parto, a doula está presente auxiliando com métodos não farmacológicos de alívio das sensações das contrações, auxiliando na respiração, no foco, lembrando que ela é capaz de ar por aquele momento, orienta e auxilia também o acompanhante. No pós-parto, a doula auxilia a mulher na amamentação, orienta sobre os cuidados à mãe e ao bebê, acolhe essa nova mulher que nasceu junto com o bebê, auxilia na elaboração de como foi o parto, nas questões do puerpério e no que mais precisar.
Ofereço ferramentas para ela se sentir segura e preparada, e buscar o caminho que ela achar melhor, pois protagonismo e informação devem andar juntos. Fico disponível durante a gestação para conversar, ouvir e acolher a família. Durante o parto, auxílio a mulher e acompanhante a ar pelo trabalho de parto (seja presencialmente ou remotamente), lembrando de se alimentar, se hidratar, auxiliando na respiração, a se movimentar para auxiliar no progresso do trabalho de parto, lembrando o quão ela é forte e capaz de ar por este processo.
Riovale – E qual a importância deste trabalho para as gestantes?
Julia: Desde os primórdios da humanidade, o parto foi um evento feminino, a gestante/partur iente era cercada por mulheres do seu convívio. A parteira cuidava da parte técnica do parto e a mãe, irmãs, avós, vizinhas cuidavam do bem-estar dessa mulher e do bebê que acabavam de nascer. Quando as pessoas migraram em massa para as grandes cidades e as mulheres aram a parir no hospital, muito dessa sabedoria e apoio feminino foram se perdendo. O que se vê hoje é muita desinformação, medo, falta de protagonismo sobre seu corpo e parto, e uma forte cultura cesarista no Brasil.
E a doula sempre existiu, somos aquele apoio feminino no parto, mas hoje temos a luz das evidências científicas. O intuito é levar para as mulheres a luz das informações, conhecimento é poder, quando se tem o a ele, você a a questionar as condutas, os protocolos, você pode buscar uma melhor assistência. O parto é um dia que será lembrado para sempre por aquela mulher e família, será contado e recontado muitas vezes. Não basta apenas parir e nascer com saúde, é importante que a experiência seja positiva para aquela mulher e bebê.
Riovale – Quais os benefícios para as futuras mamães?
Julia: Dados apresentados em estudos mostram que as mulheres que receberam apoio contínuo durante o parto por uma doula tiveram maior probabilidade de terem um parto vaginal espontâneo e o índice de trabalhos de parto que evoluíram para uma cesárea foi menor. Essas mulheres tiveram menor probabilidade de usar analgesia durante o trabalho de parto e maior probabilidade de se sentir mais satisfeitas; a duração do seu trabalho de parto foi um pouco menor; seus bebês tiveram uma melhor avaliação pediátrica; a amamentação se demonstrou mais facilitada e o apoio contínuo não produziu nenhum efeito prejudicial.
Riovale – Por que você escolheu ser doula?
Julia: Desde criança sempre tive muito interesse e curiosidade em tudo que envolvia nascimentos. Eu mesma, sem ainda saber o que era doula, cuidava das mulheres que tinham filhos ao meu redor. E foi em 2014 que tive conhecimento da existência da doula, mas só em 2017 que me tornei oficialmente uma. Ser doula é um chamado aceito com muito amor, faz parte da minha essência. Hoje, não me vejo mais fora desse caminho.
Riovale – E para finalizar nossa entrevista, você pode falar dos desafios e momentos marcantes?
Julia: Ser doula em um País tão cesarista que desrespeita as mulheres constantemente é um desafio enorme. É um desafio presenciar violências obstétricas, é um desafio não ser respeitada como profissional dentro do centro obstétrico, é um desafio atender em cidades que não permitem a entrada da doula nas maternidades, é um desafio a falta de reconhecimento. Ser doula é resistência e resiliência, e apesar dos inúmeros desafios, vivo momentos marcantes e emocionantes. Lembro de cada história, cada nascimento, me emociono em cada parto, me sinto extremamente honrada em presenciar o nascimento de uma família, cada ser que chega neste planeta é uma nova oportunidade de sermos pessoas melhores.
